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domingo, 13 de março de 2011

ESPECIAL - ÁFRICA DO NORTE E ORIENTE MÉDIO 2/4

Revoltas populares e Recolonização imperialista

Artigo do ESPECIAL - ÁFRICA DO NORTE E ORIENTE MÉDIO
dO Bolchevique #3

Mulheres egípcias protestam contra a ditadura Mubarak
A CRISE CAPITALISTA É A MÃE DAS REVOLTAS POPULARES

A crise econômica de 2007-2008 provocou a onda de greves europeias em 2010 e de revoltas populares no norte de África e no Oriente Médio em 2011. Na América Latina, até o momento, mas não por muito tempo, os governos da chamada “centro esquerda” vêm retardando e amortecendo o conflito social através do controle que exercem sobre as organizações de massa.

Após transferir uma enorme massa de capitais dos cofres estatais para o bolso dos grandes capitalistas a fim de sanear o rombo causado pelo “dinheiro perdido” pelas grandes empresas com a queda das ações nas bolsas, os Estados capitalistas, tendo a frente os EUA e a Europa, tratam de cobrar a conta da orgia especulativa à classe trabalhadora do planeta.

O reaquecimento da economia posterior às demissões em massa geradas pela crise se apoia em um novo aumento da extração da mais valia e, portanto, no arrocho salarial, superexploração da força de trabalho, ajustes fiscais, cortes nos serviços sociais do Estado ligados à saúde e educação, destruição de conquistas trabalhistas, sindicais, da previdência estatal, etc.

Enquanto esperava pela recuperação no valor das ações dos bancos e indústrias (automobilística, Internet, etc.), os especuladores transferiram seus investimentos para os chamados commodities, produtos de origem primária, pouco industrializados, de baixo valor agregado e alto consumo global. Primeiramente para os commodities de origem agrícola, os alimentos. O índice CRB, que mede o preço das commodities no mercado global, atingiu 518,7 pontos em dezembro, superando o pico de 476,7 em junho de 2008. A população passou a receber menores salários, trabalhar mais e ainda sentiu a comida subir de preço com a perversa especulação financeira com os alimentos. Também em 2007 e 2008, distúrbios populares contra a alta dos alimentos eclodiram em países como Tunísia, Argélia, Jordânia, Egito, Moçambique, Marrocos e Chile.

Mas já em fevereiro, após iniciada a ofensiva dos EUA/OTAN sobre a Líbia a fim de tomar a dianteira da Europa no controle do petróleo daquele país e estabelecer um novo ponto de apoio político, militar e energético do imperialismo ianque no centro da África do Norte, como quando da ocupação do Iraque, os investidores giraram suas apostas dos commodities agrícolas para os minerais. O preço do petróleo disparou, acompanhado também pelo do gás, ouro e prata.

O FATOR BOUAZIZI OU O ELEMENTO INCONSCIENTE E ESPONTÂNEO

A inflação alimentar foi um dos principais combustíveis da revolta em países cuja população trabalhadora possui um alto nível de desemprego e recebe baixos salários, gastando a maior parte de sua miserável renda com alimentação. Enquanto nos EUA, a maioria da população gasta menos de 15% com comida, no Egito este índice passa de 50% dos salários.

Este é o elemento social genuíno das revoltas, predominante na Tunísia, Iraque, Egito, Palestina, Bahrein, Iêmen, Sudão, Argélia, Marrocos, onde a elevação dos preços dos alimentos invoca imediatamente a antiga revolta da fome. Não por acaso, o epicentro da revolta está em países que possuem grandes concentrações urbanas no continente historicamente mais famélico do globo, graças ao colonialismo e ao imperialismo dominantes initerruptamente, do império romano ao império ianque.

O desemprego juvenil é um agravante. Os países da Liga Árabe são os que concentram a maior quantidade de jovens. 65% da população do Magreb (Al-Maghrib, “nascente” em língua árabe, região que abrange do Marrocos à Líbia) e o Machrek (“poente”, do Egito à península arábica) tem menos de 30 anos. A região também detém a liderança mundial dos mais expressivos índices de desemprego, agravados após a crise financeira.

Na Tunísia, a população gasta 36% do que recebe com alimentos. A média de idade do país é 29 anos. O levante popular que levou à renúncia do ditador Ben Ali no dia 14 de janeiro passado teve como estopim o suicídio de um jovem de 26 anos. Sem conseguir emprego regular, Mohamed Bouazizi ajudava sua mãe e irmã com 75 dólares mensais (120 reais) como camelô. Seu pai morreu no ano em que Ben Ali chegou ao poder através de um golpe de Estado, quando ele tinha três anos de idade e desde os 10 ele vendia nas ruas depois do colégio. Desempregado, ateou fogo no próprio corpo em frente à sede do governo provincial em protesto contra o confisco de seu carrinho de frutas pela polícia, que alegou ser ilegal a venda ambulante no país. A causa principal do suicídio de Bouazizi não foi o fato dele não poder votar ou não possuir um blog, mas por não suportar ver sua família castigada pela fome e pelo frio. A imolação foi seu protesto individual pelo direito ao trabalho.

É este fator que leva a que genuínas revoltas contra a fome se convertam em protestos, greves econômicas e logo em greves políticas contra o desemprego, os baixos salários e à repressão. Marx considera que na luta pelo direito ao trabalho está o germe das futuras batalhas do proletariado, sendo o direito ao trabalho, a fórmula primeira, embrionária, acanhada, em

“que se condensavam as exigências revolucionárias do proletariado, [...] um desejo piedoso, miserável, mas por detrás do direito ao trabalho está o poder sobre o capital, por detrás do poder sobre o capital, a apropriação dos meios de produção, a sua submissão à classe operaria organizada, portanto, a abolição do trabalho assalariado, do capital e da sua relação recíproca”.
(As lutas de classes na França de 1848 a 1850)

O mesmo pode se dizer do conjunto das revoltas populares árabes nestes últimos meses, que são levantes espontâneos, desorganizados, sem consciência nem independência de classe, mas, sem dúvida, como as lutas contra a fome de 2007-2008 que as precederam, são escolas de luta política para as massas de toda a região.

Na Arábia Saudita, Omã, Iêmen, Jordânia, Kuwait e no Bahrein os governos títeres do imperialismo, temendo que a intensidade dos protestos em seus países alcancem os níveis que ocorreram na Tunísia e Egito, tratam de realizar pseudo-reformas democráticas, conceder miseráveis aumentos salariais e “pôr as barbas de molho”.

No entanto, a espontaneidade que num primeiro momento propulsiona o movimento, em breve se constitui seu calcanhar de Aquiles, ficando as massas rebeladas a mercê das articulações palacianas controladas pelo imperialismo. Sem um programa claro, sem uma estratégia de conquista do poder político e menos ainda organismos para isto, o movimento está condenado a um beco sem saída. Desgraçadamente, a heróica luta dos trabalhadores gregos acaba de comprovar, pela enésima vez, que sem teoria revolucionária fusionada com a luta de massas, através de um partido político de vanguarda com influência de massas, não há movimento revolucionário.

Mesmo as maiores greves gerais e as mais selvagens ocupações de fábrica não são capazes de resolver o problema da crise de direção revolucionária. Se no processo da luta as massas não encontram um rumo claro para sua emancipação e atendimento de seus objetivos, se não tiverem a sensação de que suas fileiras se tornam mais robustas e coesas, inevitavelmente, se inicia o processo da desmoralização. O combustível inicial, o agravamento da miséria, não é uma fonte regular e permanente de disposição de luta das massas para reagir coletivamente contra seus exploradores.  Muitos setores que fazem sua primeira experiência cairão na passividade. Em meio à crise dos governos interinos, as direções sindicais se incorporam ao regime. Sem a direção resoluta do proletariado de forma altiva, vencendo as batalhas, a pequena burguesia tende a conformar-se com a falsa democratização. Na vanguarda, e particularmente na vanguarda da juventude desempregada e sem esperanças de futuro, diante do refluxo da resistência coletiva começarão a surgir tendências ao aventureirismo ou ao protesto de grupos isolados, alvos fáceis da repressão seletiva de grupos fascistas patrocinados pela burguesia, armados pelo aparato repressivo estatal e recrutados no lumpemproletariado, até a proliferação desesperada de novos protestos individuais como o de Bouazizi.

A REAÇÃO PLANIFICADA E ESTRATÉGICA “COM FORMA DEMOCRÁTICA” DO IMPERIALISMO

Enquanto as massas sublevadas permanecem carentes de um plano estratégico e de organismos próprios, independentes para executá-lo, o imperialismo aproveita-se da turbulência para realizar uma nova ofensiva com a finalidade de otimizar seus lucros na região. Como de costume, fingindo-se amante da liberdade e defensor da democracia, os EUA tratam de conduzir, por cima, um reordenamento de seu domínio na região, apoiando-se em cada país e, antes de tudo, na espinha dorsal de seus regimes títeres, nas Forças Armadas cipaias de suas semicolônias, controladas, em primeira instância, pelo Pentágono, CIA, M19 e Mossad.

A “democratização” imperialista da África e da Ásia, controlada pela casta militar umbilicalmente ligada aos amos do grande capital, reedita, de forma ainda mais burlesca no século XXI e naquela parte do globo, os processos de transição das ditaduras militares para as democracias tuteladas, de abertura lenta e gradual da América Latina nos anos 1980 sob a pressão de jornadas de greves operárias e levantes populares em nosso continente. Todavia, o que acontece com o desvio da luta de nossos irmãos africanos e asiáticos expressa justamente o espirito reacionário de nosso momento histórico e a desfavorável correlação de forças para os trabalhadores na guerra entre as classes, criadas com o triunfo da contrarrevolução nos antigos Estados Operários da URSS e Europa e o AVANÇO DESIGUAL E COMBINADO DA RESTAURAÇÃO CAPITALISTA na China, Vietnã, Cuba e Coréia do Norte. Guardadas suas diferenças, a atual ofensiva imperialista contra a Líbia disfarçada de guerra civil tem o mesmo significado como divisor de águas da esquerda mundial que a guerra das Malvinas representou.

Incomparavelmente mais importantes do que as ONGs patrocinadas pela CIA, as novas tecnologias da comunicação (internet, facebook, twitter, etc.), os organismos internacionais e profissionais da contrarrevolução estão tratando de apropriar-se dos destinos da turbulência para impor uma nova derrota as massas e realizar uma recolonização sob o tacão de Obama, mais profunda e consistente do que a ofensiva militar de Bush. Se os novos governos não conseguirem impor a estabilização política pela via do engano e das promessas “democráticas”, o farão pela repressão tão ou mais truculenta do que nos piores dias dos ditadores que deixaram a cena política.

TUNÍSIA:
FRENÉTICA TROCA DOS “FUZÍVEIS” DO IMPERIALISMO

O primeiro ministro substituto de Ben Ali não governou por 50 dias. Mohammed Ghannouchi, que havia sido membro do governo Ben Ali por 11 anos e que substituiu o ditador afugentado pelos protestos de dezembro e janeiro, também foi obrigado a renunciar após mais de uma semana de manifestações em massa controladas pela oposição burguesa contra o “novo” governo. O presidente interino, Fouad Mebazaa, outro ex-ministro de Ben Ali, nomeou então o Beji Caid-Essebsi, de 84 anos, que por um longo tempo foi funcionário do governo Habib Bourguiba, golpeado por Ben Ali em 1987, como o novo primeiro-ministro e reiterou a promessa de realizar eleições para substituir o regime interino até 15 de julho.

Os oportunistas sindicais da União Geral dos Trabalhadores da Tunísia (UGTT), do Partido Comunista dos Trabalhadores da Tunísia (PCOT), stalinista, do Partido Progressista Democrático (PDP), partido da burguesia liberal e a oposição islâmica, Ennahda salivaram por ocupar três pastas no gabinete Ghannouchi. Mas, a exceção do PDP que assumiu o governo Ghannouchi, foram obrigados a retroceder diante da hostilidade das massas contra o ex-ministro de Ben Ali. Por isto, aliaram-se aos setores “democráticos” da burguesia para impulsionar um governo Caid-Essebsi que não seja imediatamente identificado pelas massas com os crimes de Ben Ali. Todavia, essa política de amortecimento da força do levante popular pavimenta a estabilização da reação burguesa.

Seis dias antes de sua renúncia, Ghannouchi havia recebido a visita de dois representantes de alto nível do império ianque, os senadores John McCain e Joseph Lieberman. Este último é representante do sionismo na caravana parlamentar do Império e foi candidato à vice-presidência dos Estados Unidos em 2000, na chapa encabeçada por Al Gore. McCain, o candidato presidencial republicano em 2008, asseverou: “A revolução na Tunísia foi muito bem sucedida e tornou-se um modelo para a região”, e falando como representante do governo Obama acrescentou: “Estamos prontos para fornecer treinamento para ajudar os militares da Tunísia para garantir a segurança.” As palavras de MacCain não passam de proselitismo. A “revolução bem sucedida e modelo para a região”, ou seja, a reação que estancará o levante popular, lançou mão do recurso da “troca de fusíveis”.

Se o imperialismo conseguir, através da rotatividade no poder das diversas alas da burguesia títere e da inclusão dos burocratas sindicais da UGTT no regime, conduzir as massas para as ilusões parlamentaristas e fazer refluir o movimento, o estrangulamento do levante pela via da reação “com forma democrática” se dará através do menor custo político, sendo necessário o esmagamento físico do movimento “para garantir a segurança” apenas de forma seletiva, para os setores mais indômitos do levante.

EGITO:
CONTINUIDADE DA DITADURA MILITAR SEM MUBARAK

No Egito, o imperialismo cogitou mudar seu desgastado peão no poder sob a pressão das maiores revoltas populares do país, expressando um crescente depois das greves de Mahalla de 2006 e das greves contra a fome em 2008. “Nada disso surpreendeu muito a Casa Branca que há poucos meses, a pedido de Obama, começou a examinar a vulnerabilidade desses regimes e, mais recentemente, passou a examinar o que torna bem sucedida uma transição para a democracia. Michel McFaul, importante assessor de segurança nacional do governo americano, comanda o que chama brincando, de ‘Diretório Nerd’ da Casa Branca, onde passa semanas produzindo estudos de caso para o presidente e o Conselho de Segurança Nacional. ‘Não há um só enredo nem um só modelo, afirmou MacFaul.” (New York Times, 28/02/2011).

Fanfarronice post festum ou não, o fato é que a relutância de Mubarak a retirar-se do poder acabou quando a alta cúpula das Forças Armadas, orientada pelos EUA, o pressionou a renunciar, para assumir ela mesma a frente do governo e fazer refluir a pressão popular no momento em que os trabalhadores deixaram de protestar como massa amorfa de manifestantes da Praça Tahrir e se somaram aos protestos como classe sindicalmente organizada através das greves de operários têxteis (48% da força de trabalho está empregada no ramo têxtil), dos trabalhadores do Canal de Suez, bancários, ferroviários, petroleiros, motoristas de ônibus.

Os 24 mil operários da Misr Spinning and Weaving, a maior fábrica de fiação e tecelagem do país, cruzaram os braços no dia 10 de fevereiro. Mubarak renunciou no dia seguinte. Os operários da Misr entraram em greve novamente no dia 16, desafiando as advertências da Junta Militar de que as paralisações não seriam mais toleradas e, por seu peso estratégico dentro da classe operária egípcia, em quatro dias tiveram suas reivindicações atendidas, um aumento salarial de 25% e a demissão de um gerente corrupto. Em algumas greves, foram agregadas às reivindicações econômicas os mesmos slogans gritados na Praça Tahrir, principalmente o “Fora Mubarak!”. Em outras, o movimento grevista impulsionou a desfiliação de seus sindicatos da Federação Sindical corrupta e pelega, atrelada ao Estado desde sua criação por Nasser em 1957.

Apesar de ter que realizar operações seletivas, como a contenção desta e de outras greves ou a repressão militar-policial direta ou por meio de grupos fascistas mascarados, após a renúncia de Mubarak a reação conseguiu o que buscava: a desmobilização da revolta. Vale destacar que uma vez desmontada a mobilização popular de caráter político, pela saída do ditador, setores de trabalhadores aproveitaram o momento para desatar greves, que por seu caráter econômico e pelo refluxo do movimento foram dispersadas em vez de unificadas. Afora algumas concentrações ordeiras semanais capitaneadas pela oposição burguesa egípcia (El Baradei, Irmandade Islâmica, etc.) em favor de que os militares mantenham sua palavra de realizar eleições no segundo semestre, o movimento tende a um novo refluxo.

Depois de 18 dias de massivos protestos populares, o governo Obama e a burguesia egípcia realizaram um gesto teatral em que simplesmente destituíram o ditador odiado para manter intocável a espinha dorsal do regime títere sobre as massas egípcias e palestinas a serviço do imperialismo e do Estado de Israel, ou seja, a tutela completa da casta militar sobre a máquina estatal capitalista, que controla 30% da economia do país. Além do país ser controlado diretamente por uma Junta Militar, o Conselho Supremo das Forças Armadas, todas as outras instituições petrificadas da ditadura Mubarak seguem governando. O ministro da Defesa, Mohamed Hussein Tantawi, que chefia o Conselho Militar, demitiu o gabinete e suspendeu o Parlamento para administrar, em conjunto com o arqui-mafioso chefe da Suprema Corte Constitucional. Nem sequer foi revogado o “Estado de emergência” (condição de Estado de sítio instituído por todas as ditaduras militares contra a população que, juntamente com o toque de recolher, outorga plenos poderes repressivos para as FFAA) instituído há três décadas.

Se Mubarak tentava aparentar uma fachada civil, com eleições fraudulentas regulares, sob um governo cívico-militar, sua renúncia tirou-o de cena como preposto das Forças Armadas. Agora governam diretamente os militares sob os quais o mubarakismo se apoiou por três décadas. Depois de Israel, o Egito é o país que mais recebe financiamento dos EUA, U$ 1,3 bilhões anuais, para aquisição de armamentos. O país é desde o governo Sadat, sucessor de Nasser e precussor de Mubarak, uma peça vital para a dominação dos EUA sobre o rico petróleo do Oriente Próximo. O Egito tem sido um aliado estratégico de Israel e ajudado no bloqueio de fome imposto pelo Estado nazi-sionista aos palestinos em Gaza, fechando a fronteira com o Sinai. Nos últimos cinco anos, a dívida externa do país cresceu cerca de 50%, atingindo US$ 34,1 bilhões em 2009. As reservas de US$ 36 bilhões do país são baseadas em dinheiro emprestado. No início da crise, especuladores detinham cerca de US$ 25 bilhões em títulos públicos, 40% do total.

A “transição” na Tunísia e Egito ganha tempo para dissipar a revolta popular, preservar as políticas econômicas e os ajustes para pagamento da dívida externa e cristalizar a correlação de forças em favor do estabelecimento de um governo mais estável e economicamente rentável frente a odiada ditadura anterior.

UMA OPORTUNIDADE PARA AUMENTAR A EXPLORAÇÃO DO PROLETARIADO

É importante recordar que em seu discurso proferido no Cairo em junho de 2009, Obama deixou um recado para seus títeres na região: “uma coisa é clara, os governos que protegem os direitos democráticos são, em última instância, mais estáveis, bem sucedidos e seguros... a América no passado focou o petróleo e o gás nesta parte do mundo, hoje procuramos um engajamento mais amplo... vamos criar um novo corpo de voluntários empresariais para formar parcerias com contrapartes em países de maioria muçulmana,... identificar como podemos aprofundar os laços entre líderes empresariais, fundações e empreendedores sociais nos Estados Unidos e em comunidades muçulmanas em todo o mundo.” A administração Obama, praticamente parida da crise econômica, aposta profundamente na ideia imperialista de que a crise é o momento de aproveitar as oportunidades ampliando os negócios nos velhos domínios e dominando mercados em que não é hegemônico, como é o caso da Líbia.

A destituição de Mubarak, que muitas organizações de esquerda dizem ser uma “revolução”, foi comemorada no “sensível” mundo das finanças, melhor dizendo, na alta roda do capital financeiro e especulativo mundial: “Bolsas dos EUA fecham em alta no dia em que presidente do Egito deixou o cargo. Os principais índices acionários dos EUA inverteram a tendência da abertura e avançaram no dia em que o presidente do Egito, Hosni Mubarak, deixou o cargo após 30 anos no poder e manifestações que duraram 18 dias. O ditador delegou poderes às Forças Armadas, em uma decisão que trouxe alívio ao mercado desde a tarde.” (InfoMoney, 11/2/2011).

Dentre os conselheiros da Junta Militar estão gente como o Secretario Geral da Liga Árabe, Amr Moussa, que excluiu a Líbia do organismo para isolar o governo Gadafi em favor da vitória rápida das forças pró-imperialistas sobre Trípoli. O bilionário egípcio Naguib Sawiris, proprietário da Orascom Telecom Holdings (OTH), a maior empresa de telecominicações do Oriente Médio e Magreb. “Apesar de estar sendo apontado pelos manifestantes da Praça Tahrir como um dos responsáveis pelas pragas do Egito, Sawiris, o bilionário, longe de desanimar, acha que da turbulência pode emergir uma economia mais vibrante egípcia. (Stanley Reed, “Mogul do Egito Telecom adota Uprising”, Bloomberg Business Week, 10/02/2011).

As Bolsas e o sultanato burguês da região apostam claramente suas expectativas de lucro na reciclagem da ditadura militar com promessas “democráticas”.

“Um movimento democrático ou de libertação nacional pode oferecer à burguesia a oportunidade para aprofundar e aumentar suas possibilidades de exploração. A intervenção independente do proletariado na arena revolucionária ameaça tirar da burguesia a possibilidade de explorar qualquer coisa.”
(Balanço e perspectivas da Revolução chinesa; suas lições para os países do oriente e para o Comitern, Stalin, o grande organizador de derrotas”, Trotsky, 1930).

AS TAREFAS DEMOCRÁTICAS IMEDIATAS DO PROLETARIADO ÁRABE

A intervenção independente do proletariado do Magreb na arena política pressupõe conhecer as tarefas necessárias para impedir que a burguesia local e mundial aumentem sua exploração e o manipulem com sua luta democrática e anti-imperialista. Neste sentido, os aduladores revisionistas que usam de demagogia e triunfalismo para falar de “revolução árabe, democrática” e de “insurreição proletária” inexistentes, prestam um grande serviço ao imperialismo, jogando terra nos olhos das massas enquanto os governos interinos supostamente paridos das tais “revoluções” reestabilizam a situação política.

Outras correntes, como a LBI, simplesmente rechaçam as tarefas democráticas fundamentais e imediatas em uma atitude de desprezo pela disputa da consciência dos trabalhadores. A atitude do marxismo em relação à democracia formal nada tem a ver com a negação estéril do anarquismo.

Não podemos rechaçar a representação democrática do povo, nas condições de um período não revolucionário, quando as revoltas populares nem sequer realizaram suas tarefas mais imediatas, nem podem realizar nos marcos capitalistas. Não é renunciando as palavras de ordem democráticas que os revolucionários conquistarão a consciência das massas oprimidas por uma ditadura militar.

Defender a assembleia constituinte em situações como  à revolta popular de 2001 na Argentina, quando por quase duas décadas as massas já realizaram experiências com a democracia semi-colonial burguesa, como fez toda a família revisionista do trotskismo argentino (do PO a LOI-DO) é alimentar ilusões parlamentaristas na recomposição burguesa do regime. Mas esta questão se coloca de modo completamente diverso nas semi-colônias e países governados por décadas por ditaduras militares burguesas como é o caso da Tunísia e do Egito e muitos outros países do Magreb e Oriente Médio, governados por ditaduras militares ou monárquicas.

Para os genuínos trotskistas

“a vitória da revolução democrática só é concebível por meio da ditadura do proletariado apoiada na sua aliança com o campesinato e destinada, EM PRIMEIRO LUGAR, a resolver as TAREFAS DA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA.”
(Tese 4 da Revolução Permanente, L. Trotsky, 1930, maiúsculos nossos)

Nestes países, as massas buscam uma fórmula política simples que expresse diretamente sua própria força politica, quer dizer, sua predominância numérica. E a expressão politica do predomínio da maioria é a democracia formal burguesa.

“A questão da democracia formal é para nós o problema da atitude frente às massas pequeno-burguesas e também frente às massas operárias, na medida em que estas não adquiriram ainda uma consciência de classe revolucionária (...) Cada dia de estabilização provocará enfrentamentos mais numerosos entre o militarismo e essa burocracia por um lado, e por outro não somente operários progressistas, mas também a massa pequeno-burguesa predominante nas cidades e do campo e inclusive, com certos limites, a grande burguesia. Antes destes enfrentamentos tornarem-se luta revolucionária, passarão, segundo os dados, por uma fase ‘constitucional’. Os conflitos entre a burguesia e suas próprias camarilhas militares se estenderão inevitavelmente, através de um “terceiro partido” ou por outros meios, aos estratos superiores das massas pequeno-burguesas. No plano econômico e cultural essas massas são extremamente débeis. Sua força politica potencial deriva de seus número. As palavras de ordem da democracia formal conquistam ou são capazes de conquistar não somente as massas pequeno-burguesas, mas também as grandes massas operárias, porque essas oferecem a possibilidade – pelo menos aparentemente – de opor sua vontade a dos generais, dos latifundiários e dos capitalistas. A vanguarda proletária educa as massas utilizando essa experiência e as conduz adiante.”
(Os Sovietes e a Assembleia Constituinte. A questão chinesa depois do VI Congresso; Stalin, o grande organizador de derrotas, 1930).

Na Tunísia e no Egito, o imperialismo, os governos interinos herdeiros da ditadura e a oposição burguesa, o “terceiro partido”, tratarão de jogar com as ilusões democráticas das massas.

Os marxistas devem tornar-se campeões da luta pela completa destruição da máquina assassina da ditadura Ben Ali e de Mubarak, da defesa das liberdades democráticas, da livre organização sindical e da imprensa operária, plenos direitos de greve e de reunião, de organização político partidária e eleitoral, por uma Assembleia Constituinte livre e soberana, revolução agrária, libertação de todos os presos políticos. A concretização dessas demandas exige a organização de uma insurreição proletária para derrubar o regime militar. Ao mesmo tempo, devem lutar para elevar a um nível superior as organizações da classe, como os comitês de greve, que devem se converter em órgãos embrionários de duplo poder das massas.

Da mesma forma, a bandeira da libertação da mulher trabalhadora na África e no Oriente Médio, como a mulher egípcia, vanguarda de muitas greves têxteis, não deve ficar na mão demagógica da burguesia liberal ou do imperialismo. Cabe a classe operária lutar contra a mutilação genital e todas as formas de opressão obscurantistas. Como nos ensionou Trotsky:

“Não haverá melhores comunistas no Oriente, nenhum lutador melhor para as ideias da revolução e para as ideias do comunismo do que a mulher trabalhadora desperta para a luta.”
(Perspectivas e Tarefas no Oriente, 1924)

Aliadas a estas tarefas democráticas, estão as da luta pela libertação nacional e pelo socialismo contra o julgo imperialista, o desconhecimento da dívida externa, a nacionalização sem indenização dos bancos, do capital financeiro e de todas as multinacionais, o pleno apoio à luta palestina pelo fim do cerco a Gaza e o bloqueio imperialista ao Irã, o fim das exportações de gás subsidiadas a Israel, pela destruição do Estado nazi-sionista e a criação de uma Palestina Soviética de conselhos de operários hebreus e palestinos, pela expulsão do imperialismo dos países vizinhos como a Líbia, Somália, Iraque, Afeganistão e sobre os escombros das atuais semicolônias dependentes e criar a Federação das Republicas Socialistas da África e Oriente Médio.

Conquistando as massas da influência política da oposição burguesa ao tornar-se o defensor “número um” das tarefas democráticas que os “novos” governos vão continuar estrangulando através da recolonização imperialista apoiada nos setores mais reacionários das classes dominantes, o partido do proletariado demonstrará que a realização de tais tarefas só é possível através de uma aliança do proletariado com a pequena burguesia urbana e rural e, através dos métodos de ditadura revolucionária do proletariado, do armamento de todo o povo, dissolução das sanguinárias polícias, ocupação de fábricas, piquetes, greves gerais, expropriação das empresas capitalistas, das multinacionais, agroindústrias e latifúndios, controle operário das riquezas nacionais, rumo à conquista do poder pelos trabalhadores.