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domingo, 17 de fevereiro de 2013

AOS JOVENS PROLETÁRIOS – PARTE I

Leon Sedov: filho, amigo, lutador [1]
Leon Trotsky, 20 de fevereiro de 1938

Ao completarem-se 75 anos do assassinato de Leon Sedov (24/02/1906 - 16/02/1938), envenenado por agentes stalinistas em um Hospital russo em Paris, a Liga Comunista traduz para o português a obra “Leon Sedov: Son, friend, fighter – dedicated to the proletarian youth” (Writings of Leon Trotsky, 1938-1939, Merit Publisieres, ) escrito por Trotsky após perder mais do que um filho e amigo, mas sobretudo o quadro mais importante da luta pela IV Internacional. 
Ao resumir o período de colaboração com Sedov, Trotsky escreveu:
"Esta colaboração só foi possível porque a nossa solidariedade ideológica passou a fazer parte de nosso sangue e de nossa medula: o nome do meu filho tem o legítimo direito de ser posto ao lado do meu em quase todos os livros que escrevi a partir de 1928." (Leon Sedov - filho, amigo, lutador - dedicado a juventude proletária, por Leon Trotsky).

De julho de 1929 até o dia de seu assassinato, Sedov foi editor do Boletim da Oposição russa, o único órgão do genuíno bolchevismo russo desde a morte de Lênin (1924). Acompanhou Trotsky em seu exílio em Alma Ata (Cazaquistão) e Prinkipo (Turquia). Sedov, possuía um talento excepcional e estatura independente, subordinado-se abnegadamente as tarefas que lhe cabiam. Escreveu pouco, não porque lhe faltasse capacidade ou talento, mas por que lhe sobrecarregavam outras tarefas políticas para as quais ele foi imprescindível. Todavia, os poucos escritos de Sedov estão entre os mais valiosas obras do movimento trotskista. Além de seus artigos assinados como N. Markin em 1930 e 1931 como: “A dissolução do Partido Comunista dentro da Classe; A perseguição da oposição bolchevique russa; A Vida dos exilados e presos da oposição russa; Oposicionistas russos em greve de fome!; Sedov escreveu a primeira denúncia pública dos crimes e falsificações stalinistas: “O Livro Vermelho – Sobre os processos de Moscou”. Nos últimos dois anos de sua vida Sedov passou a trabalhar entre Berlim e Paris. Ele conseguiu permanecer na Alemanha ainda por várias semanas mesmo sob a perseguição nazista após a chegada de Hitler ao poder. Em Paris, ele trabalhou sob a vigilância contínua da GPU. Os criminosos e traidores do Kremlin nunca subestimaram o papel e a importância de Leon Sedov. Stalin não poupou esforços para manchar seu nome. Os espiões e assassinos da GPU (agencia de espionagem da URSS, precussora da KGB) buscavam seguir cada passo seu. Eles colocaram armadilha após armadilha para matá-lo. Nos infames Processos de Moscou, o nome de Sedov, invariavelmente aparecia lado a lado com o de Leon Trotsky. Os "juízes" de Stalin condenaram aos dois à morte à revelia. Os assassinos de Stalin finalmente cumpriram a sentença executando a Sedov em 1938 e a Trotsky em 1940.

Sedov morreu na flor de sua maturidade revolucionária, privando-o da oportunidade de jogar o grande papel que ele estava destinado a assumir nas batalhas decisivas da 2ª geração da IV Internacional que viria a ser destruída pelos epígonos a partir do III Congresso. Seu nome, sua memória e a grande tradição que simboliza permanecem indelevelmente inscrito na bandeira imaculada da Quarta Internacional que ele fez muito para construir.


<<Enquanto escrevo estas linhas, com a mãe de Leon Sedov ao meu lado, continuam chegando de vários países continuar telegramas de condolências. E para nós cada telegrama levanta a mesma questão aterradora: "É possível aos nossos amigos na França, Holanda, Inglaterra, EUA, Canadá, África do Sul e aqui no México aceitar como consumado o fato de que Sedov já não exista mais?" Cada telegrama é mais um novo sinal de que ele morreu, mas ainda não consigo acreditar. E não apenas porque era o nosso filho, fiel, dedicado, amoroso, mas, acima de todas as coisas, porque ele, mais do que ninguém na terra, tornou-se parte da nossa vida, entrelaçada com todas as suas raízes, o nosso camarada defensor, nosso parceiro, nosso guardião, nosso conselheiro, nosso amigo.



Daquela geração mais antiga, cujas fileiras entramos no final do século passado na estrada para a revolução, todos, sem exceção, foram varridos da face da terra. Aqueles que sobreviveram das sentenças de trabalhos forçados, dos duros exílios, as penúrias da emigração, da guerra civil e da peste, tem encontrado em Stalin o flagelo pior flagelo da revolução. Depois de ter destruído a geração mais velha, também destruiu a melhor parte da seguinte, ou seja, a geração que despertou em 1917 e esteve na linha de frente em um dos 24 exércitos da frente revolucionária. Espezinhou e também massacrou os melhores jovens contemporâneos de Leon. Ele próprio sobreviveu por um milagre, porque nos acompanhou no exílio, seguindo também para a Turquia. Durante a nossa última emigração fizemos novos amigos, muitos dos quais entraram intimamente em nossas vidas, tornando-se efetivamente membros de nossa família. Mas todos eles entraram em contato conosco pela primeira vez nos últimos anos, quando já caminhávamos para a velhice. Leon era o único que nos conheceu quando ainda éramos jovens, ele fez parte de nossas vidas desde o primeiro momento do seu nascimento. Apesar de sua juventude, parecia ser nosso contemporâneo. Junto conosco passou por nossa segunda emigração: Viena, Zurique, Paris, Barcelona, Nova York, Amherst (um campo de concentração no Canadá) e, finalmente, em Petrogrado.



Quando era ainda criança – estava prestes a completar 12 anos. Fez, à sua maneira, a transição consciente da Revolução de Fevereiro a de outubro [2] A sua infância transcorreu sob fortes emoções. Ele acrescentou um ano em sua idade para entrar precocemente no Komsomol [a Juventude Comunista], que na época estava em ebulição com toda a paixão despertada na juventude. Os jovens padeiros aos que ele se encarregou de levar a propaganda lhe recompensavam com um pão crocante branco o qual ele alegremente levava para casa debaixo do braço sob a manga esfarrapada de sua jaqueta. Foram anos de esperança, frio e fome e grandeza. Para não diferenciar-se, Leon, por vontade própria, deixou o Kremlin e foi compartilhar o dormitório estudantil proletário. Ele não queria andar em nosso carro, recusando-se a fazer uso desse privilégio de burocratas. Mas com dedicação participava em todos os sábados Vermelhos e outras "manifestações" dos trabalhadores, varrendo a neve das ruas de Moscou, “liquidando” o analfabetismo, descarregando pão e lenha de caminhões, mais tarde, como um estudante de engenharia, ajudava no concerto de locomotivas. Se ele não chegou a alistar-se para combater na guerra foi apenas porque acrescentar dois ou três anos a sua idade não adiantaria nada, ele ainda não tinha 15 anos de idade, quando a Guerra Civil terminou. No entanto, me acompanhou várias vezes, absorvendo poderosas impressões da frente, com plena consciência do porquê desta luta sangrenta.



Informes recentes dizem que Leon Sedov vivia em Paris "sob condições modestas" (muito mais modestas, permitam-me acrescentar, que as de um trabalhador qualificado). Mesmo em Moscou, nos anos em que seu pai e sua mãe ocupavam altos postos do governo soviético, ele não vivia em condições melhores, mas piores do que nos últimos anos, em Paris. Era esta a regra entre os jovens da burocracia? De jeito nenhum. Mesmo aí, ele foi uma exceção. Nesta criança que caminhava para a puberdade e adolescência, o sentido de dever despertou precocemente.



Em 1923, Leon se jogou com afinco no trabalho da Oposição. Seria muito equivocado ver isso como nada mais do que influência dos pais. Afinal, quando ele deixou o apartamento confortável no Kremlin para ir para um quarto frio, escuro, onde se passava fome, ele o fez contra a nossa vontade, embora não ofereçamos resistência a este sua decisão. O mesmo instinto que o obrigou a escolher o ônibus lotados anti os carros de luxo do Kremlin, determinou a sua orientação política. A plataforma da Oposição simplesmente deu expressão política a estes traços inerentes ao seu caráter. Leon rompeu completamente com aqueles seus colegas cujos pais burocratas violentamente romperam com o "trotskismo" para se reunir com os seus amigos padeiros. Então, aos 17 anos, começou sua vida revolucionária inteiramente consciente. Ele rapidamente se dedicou a arte do trabalho conspirativo, reuniões ilegais, publicação e distribuição de documentos secretos da Oposição. Rapidamente o Komsomol desenvolveu seus próprios quadros da Oposição.



Leon tinha um grande talento para a matemática. Ele nunca se cansou de ajudar a muitos trabalhadores-estudantes que nunca frequentaram a escola secundária. Ele se dedicou a esse trabalho com toda a sua energia, incentivando, orientando, estimulando-os contra a preguiça, o jovem mestre sentiu este trabalho como um serviço a sua classe. Seus próprios estudos na Academia Técnica Superior foram realizados com muito sucesso. Mas estes estudos não ocupavam muito sua jornada. A maior parte de seu tempo, sua força e seu espírito eram dedicados à causa da revolução.



No inverno de 1927, quando a polícia começou o massacre da Oposição, Leon completou 22 anos. Naquela nasceu o filho dele, e ele trouxe a criança orgulhosamente para mostrar-nos no Kremlin. Porém, sem um momento de hesitação, Leon decidiu deixar seus estudos e sua jovem família para compartilhar o nosso destino na Ásia Central. Nisto, ele não só atuou como um filho, mas acima de tudo como um companheiro de ideias. Era essencial, a qualquer preço, garantir o nosso contato com Moscou. Durante este ano, seu trabalho em Alma Ata [antiga capital do Cazaquistão onde Trotsky foi exilado dentro da URSS] foi realmente incomparável. Nós o chamávamos de nosso Ministro das Relações Exteriores, Ministro de Polícia e Ministro das Comunicações. E no cumprimento de todas essas funções teve de criar um aparelho ilegal. Em nome da direção da Oposição em Moscou, o camarada “X”, muito abnegado e de muita confiança, conseguiu uma carruagem e três cavalos e trabalhou como cocheiro independente entre Alma-Ata e a cidade de Frunze (Pishpek), que na época era o terminal ferroviário. Sua tarefa era nos trazer a cada duas semanas correspondência secreta de Moscou e levar as nossas cartas e manuscritos de volta para Frunze, onde esperava um mensageiro de Moscou. Encontrá-lo não era uma tarefa fácil. Às vezes chegavam correios especiais também de Moscou. Nos alojaram em uma casa cercada por todos os lados pelas instituições da GPU e seus agentes. O contato com o exterior estava inteiramente nas mãos de Leon. Costumava sair de casa tarde mesmo em noites chuvosas ou quando nevava muito, e, para despistar a vigilância dos espiões, se escondia durante o dia na biblioteca, encontrar-se com o mensageiro em um banheiro público ou entre arbustos e ervas daninhas, na periferia da cidade, ou na feira Oriental, onde os quirguizes [habitantes do Quirguistão] se aglomeravam com seus cavalos, burros e mercadorias. Sempre voltava entusiasmado e feliz, com um brilho nos olhos e com preciosos documentos sob a roupa. E assim, por um ano, ele enganou todos os inimigos. Além do mais, manteve uma relação "correta", quase "amigável" com os inimigos que foram os "companheiros" de ontem, demonstrando um tato e disciplina extraordinários, cuidadosamente protegendo-nos de todo aborrecimento externo.>>


Notas:

[1] “Leon Sedov: filho, amigo, lutador – [Escrito] dedicado à juventude proletária”, foi publicado pela Liga da Juventude Socialista (Quarta-Internacionalista), em março de 1938.
 
[2] A Revolução de Fevereiro na Rússia, em 1917, derrubou o czar e estabeleceu o Governo Provisório burguês, que se manteve no poder até a Revolução de Outubro quando foi estabelecido o Governo Soviético, sob a liderança dos bolcheviques.